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Um estudo recente elaborado pelo Ministério Público do Rio mostrou que ondas de calor extremo e chuvas torrenciais podem fazer grande “estrago” no estado do Rio de Janeiro, onde a maioria das cidades não tem uma estrutura mínima de Defesa Civil necessária para o monitoramento, alerta e resposta a desastres climáticos. De acordo com o levantamento do MPRJ, 76% das cidades do Rio de Janeiro são suscetíveis a desastres, com graus de risco baixo, alto ou muito alto para deslizamentos de terra.
A criação, em dezembro de 2010, do Centro de Operações Rio (COR), que monitora o tempo e a mobilidade urbana do Rio de Janeiro 24 horas por dia e sete dias na semana, é fruto da preocupação em responder aos desafios impostos pelo clima e seus impactos à população. O sistema vem se aprimorando: nos últimos dez anos, por exemplo, uma rede de piscinões integrada ao COR (que recebe, por exemplo, informações em tempo real sobre o nível da água dos reservatórios) foi implantada para receber e escoar a água das chuvas que caem sobre a Grande Tijuca e Praça da Bandeira. O desenvolvimento do equipamento do COR Rio, cuja experiência se desenha como modelo a ser aplicado em outras cidades, é promissor: no fim de maio, o BNDES aprovou financiamento no valor de R$ 117 milhões para ações de resposta a desastres e gestão urbana inteligente do município do Rio. Entre as entregas previstas, está o uso de ferramentas de Inteligência Artificial (IA) no COR, com a criação do chamado “gêmeo digital” da cidade, uma representação virtual de cenários urbanos reais para o enfrentamento de crises e desenvolvimento de políticas públicas em territórios de vulnerabilidade climática.
A emergência climática traz desafios inéditos na relação entre ciência e política. Nossos políticos têm que ouvir o que os cientistas têm a dizer, pois ações imediatas devem ser pautadas e colocadas em prática. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado em março de 2023, alertou que o mundo tinha apenas três anos para evitar que os impactos negativos fossem irreversíveis. E o ano fechou mal: segundo a Organização Mundial Meteorológica, 2023 foi o ano mais quente já registrado no planeta. A média global anual foi de 1,45°C acima dos níveis pré-industriais, valor perigosamente próximo ao marco limite do Acordo de Paris, de 1,5°C.
Por falta de sensibilidade política, acordos internacionais para mitigação do aquecimento global não têm sido cumpridos. Ainda que as responsabilidades dos países sejam desiguais, somos todos parte do mesmo problema. Também por isso, devemos ser parte da solução. Para que medidas efetivas sejam implementadas, será preciso reformar as instituições globais e as conferências do clima — uma missão importante para nosso país, que sediará a cúpula em 2025.
Localmente, é decisivo eleger representantes comprometidos com a causa ambiental e com projetos de adaptação recomendados pela ciência, com a redução drástica das emissões de gases de efeito estufa. Aí existe uma oportunidade em que, mais uma vez, o Rio de Janeiro pode sair na frente: a tarefa de enfrentar as mudanças climáticas, promovendo a transição energética para fontes de energia renováveis, pode gerar um novo modelo econômico bem rentável. Um estudo de 2019 da WRI Brasil, UFRJ e Ipea mostrou que medidas de baixo carbono resultariam num aumento acumulado adicional do PIB brasileiro de R$ 2,8 trilhões até 2030. A retomada verde geraria 2 milhões de empregos a mais do que o business as usual em 2030, gerados principalmente no setor de indústria e serviços.
Maior responsável pela produção de petróleo no Brasil, o Rio de Janeiro ainda faz girar a sua economia com a arrecadação de royalties de petróleo e gás. Estado e municípios têm o desafio de buscar alternativas para encerrar esta dependência. O município do Rio está atento à oportunidade da economia verde: uma prova é a instituição do Programa ISS Neutro, pela Lei Municipal 7.907/2023, que estabelece incentivos fiscais para empresas da cidade que contribuem para a descarbonização. A restauração de florestas tropicais em larga escala é também um caminho de grande potencial econômico para nossa cidade, como demonstrado pelo economista e professor da PUC-Rio Bernardo Strassburg. A recuperação florestal da Mata Atlântica, bioma riquíssimo em biodiversidade que representa a quase totalidade de área verde do Rio (e 12,5% do território nacional) e altamente desmatado, é um modo de não apenas restaurar ecossistemas e capturar milhões de toneladas de CO2 por ano, mitigando os efeitos das mudanças climáticas, como fortalecer a cadeia produtiva florestal e promover novas atividades como venda de créditos de carbono e turismo sustentável. Isso sem contar com a possibilidade de avanço de pesquisas científicas sobre o bioma.
Políticas públicas de mitigação do aquecimento global e os planos de adaptação climática de nossas cidades para secas e enchentes devem ser bem concebidos e continuados em novas gestões, para que efetivamente tenham efeito. É preciso, também, estabelecer uma “justiça climática”, priorizando nesta agenda as áreas mais vulneráveis. Isto porque as consequências das mudanças climáticas impactam a população de forma desigual. É nas favelas e periferias, por exemplo, que enchentes e deslizamentos mais ameaçam a vida das pessoas.
Vivemos tempos de mudanças sem precedentes. Na abertura da 27a Conferência sobre As Mudanças Climáticas (COP27), o secretário-geral das Nações Unidas, António Gutierrez, alertou: “A humanidade tem uma escolha: cooperar ou perecer. Ou fechamos um pacto de solidariedade ou um pacto de suicídio coletivo”.
Não adianta querer atravessar esta crise com os instrumentos do passado. Essa é uma oportunidade para reformar instituições e renovar a política.