Como consertar o elevador social? Desigualdade educacional e mobilidade entre gerações

O contexto familiar tem grande influência nas chances de futuro dos jovens. Com base na constatação de que o estrato socioeconômico de nascimento é uma marca difícil de apagar, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) fez um estudo sobre possíveis fatores de mobilidade social entre gerações.

Como consertar o elevador social? Desigualdade educacional e mobilidade entre gerações

O contexto familiar tem grande influência nas chances de futuro dos jovens. Com base na constatação de que o estrato socioeconômico de nascimento é uma marca difícil de apagar, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) fez um estudo sobre possíveis fatores de mobilidade social entre gerações.

O contexto familiar tem grande influência nas chances de futuro dos jovens. Com base na constatação de que o estrato socioeconômico de nascimento é uma marca difícil de apagar, a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) fez um estudo sobre possíveis fatores de mobilidade social entre gerações. As conclusões não são muito otimistas, como adivinhamos pelo título “Um elevador social quebrado? Como promover mobilidade social”. A transmissão dos desempenhos educacionais entre gerações é um dos principais problemas a ser enfrentado. Descrevo algumas conclusões relevantes para o Brasil, que usam os resultados do PISA em matemática.

O estudo mostra que a oportunidade de aprendizado escolar é um dos principais fatores de mobilidade social. Ou seja, mobilidade educacional conta muito para a mobilidade social. E uma questão central para a mobilidade educacional é o quanto as políticas educacionais e a situação das escolas podem ampliar ou diminuir a transmissão de vantagens ou desvantagens de uma geração a outra. Diferentes fatores interferem nessa transmissão, como a dedicação da família, o esforço pessoal do estudante e as características do meio, da escola ou dos professores. Se aspectos relativos aos pais e às características dos estudantes fossem o principal fator, haveria pouco espaço para a intervenção de políticas educacionais. Mas não é isso que acontece. Em muitos países, as políticas educacionais conseguiram mitigar o impacto da desigualdade de renda na mobilidade intergeracional.

No Brasil, contudo, há fatores relacionados à situação dos estudantes que são ainda mais decisivos do que as políticas educacionais. O gráfico abaixo mostra a percentagem da variância das notas do PISA em diversos países, explicada por cada um dos fatores: efeitos escolares (o impacto de frequentar diferentes escolas), contexto familiar, efeitos dos estudantes e efeitos de políticas educacionais (políticas específicas em termos de recursos ou qualidade). A altura do pontinho branco mede a influência do sistema educacional e a altura do pontinho preto mostra a influência de fatores relativos aos estudantes, o que está designado no gráfico como “student effects”. Esse fator leva em conta, além de características individuais dos estudantes, aspectos relacionados ao meio, como as características dos outros estudantes com quem uma criança estuda.

Gráfico 5.16, página 262 do estudo da OCDEGráfico 5.16, página 262 do estudo da OCDE | OCDE

O estudo mostra que é uma grande vantagem para o estudante frequentar uma escola em que os outros estudantes têm uma situação socioeconômica melhor do que a sua. Trocando em miúdos, é importante que crianças mais pobres possam estudar com filhos de famílias mais ricas. No Brasil, como mostra o gráfico, isso é duas vezes mais importante do que as políticas educacionais. Estudantes em desvantagem social tendem a ter piores performances do que os estudantes com condições socioeconômicas melhores. Mas isso não se deve somente ao fato de terem pais menos escolarizados, é também por frequentarem escolas segregadas daquelas frequentadas pelos mais ricos. Conclui-se, assim, que a segregação de nosso sistema educacional está contribuindo para aumentar a desigualdade educacional e, portanto, a desigualdade social. No Brasil, o fator que mais contribui para isso é a diferença gritante entre escolas privadas, frequentadas pelos filhos das famílias mais ricas, e escolas públicas, frequentadas pelos filhos das famílias mais pobres. A pesquisa da OCDE aponta isso nitidamente.

Considerando todos os países na pesquisa, crianças de 15 anos com pais de estratos socioeconômicos mais baixos fizeram 451 pontos no PISA em matemática, ao passo que aquelas com pais mais escolarizados fizeram 535 pontos. A diferença equivale a 3 anos de escolaridade adicional. Sabemos, contudo, que países com médias equivalentes podem ter lacunas de tamanhos diferentes entre as performances de estudantes vindos dos estratos socioeconômicos mais baixos e dos mais altos. No gráfico seguinte, busca-se entender o quanto o sistema educacional contribui para exacerbar ou reduzir essas diferenças educacionais familiares. A altura da barra relativa a cada país designa a percentagem dos fatores conhecidos, divididos entre contexto familiar, sistema educacional (“school policy effects”) e características dos estudantes (“student effects”), que incluem características individuais e envolvimento da família. 

Gráfico 5.18, página 266 do estudo da OCDEGráfico 5.18, página 266 do estudo da OCDE | OCDE

A pesquisa conclui que, na maioria dos países analisados, a qualidade da escola conta muito. No caso do Brasil, o gráfico mostra que quase 40% da variação de desempenho entre estudantes mais ricos e mais pobres é explicada pelo sistema educacional, ou seja, pela qualidade da escola. Apenas 10% da variação é explicada pelas características dos estudantes.

Para tornar a análise mais precisa, a OCDE decompôs os diferentes fatores que, dentro do sistema educacional, determinam a variação entre as performances de estudantes com famílias de situações socioeconômicas distintas. Vários fatores contam na avaliação do sistema educacional: relação entre número de professores e de alunos; tamanho da escola; qualificação dos professores; autonomia da escola para determinar o conteúdo; incentivo monetário aos professores. Para cada país, há características específicas do sistema educacional que explicam melhor as diferenças de performance entre estudantes de estratos sociais diferentes. Por exemplo, atividades extracurriculares contam muito na Turquia e nos EUA. No Brasil, assim como na Grécia, o que mais conta é o fato de estudantes de estratos socioeconômicos privilegiados frequentarem escolas privadas. Esse fator é responsável por 40% da variação de desempenho assignada ao fator “sistema educacional”.

Vale a pena uma leitura minuciosa do estudo. Para resumir em poucas palavras o recorte que fizemos, o principal problema da educação no Brasil é sua divisão entre dois sistemas de ensino nitidamente distintos: um sistema privado, acessível aos filhos dos mais ricos, e um sistema público, única opção para os filhos dos mais pobres. Como o sistema privado será sempre fechado pela barreira monetária, só existe um modo de consertar nosso elevador social quebrado: melhorar a qualidade do sistema público de ensino. Desse modo, inclusive, os filhos dos mais ricos poderiam voltar a frequentar as escolas públicas e conviver com os filhos dos mais pobres. Além do efeito terapêutico que isso pode ter em uma sociedade adoecida pela disparidade social, trata-se de um modo efetivo de reduzir desigualdades.

Artigo publicado no jornal O Globo. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/como-consertar-o-elevador-social-desigualdade-educacional-e-mobilidade-entre-geracoes.html

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